terça-feira, 31 de maio de 2011

Vinte Anos do Mercosul: Conquistas e Desafios da Integração Regional no Cone Sul



Criado por Brasil, Argentina Uruguai e Paraguai em 1991, o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) é um mecanismo de integração regional. Inicialmente criado para ser um bloco econômico, o MERCOSUL adquiriu, ao longo do tempo, caráter fortemente político e, hoje em dia, é mais que apenas um foro de concertação política e de estímulo à livre circulação de bens e pessoas. É, também, uma organização com personalidade jurídica própria e com pretensões de adquirir, cada vez mais, atribuições supranacionais.

Constituído mediante o Tratado de Assunção, o Mercosul originou-se da concertação política já existente entre Brasil e Argentina, iniciada, sobretudo, em 1985 em função dos processos de redemocratização em ambos os países. Estimulados pela situação econômica complexa da América Latina e pela maior confiança gerada por governos democráticos, ambos os países deram início a uma série de acordos que versavam sobre economia, energia nuclear, cooperação, política e outros assuntos. Esses acordos, assinados na década de 1980, foram a base institucional e política para que em 1991, com a participação de Uruguai e Paraguai, o Tratado de Assunção fosse assinado no âmbito da ALADI, mediante o Acordo de Complementação Econômica 18.

O objetivo do bloco era adaptar as economias dos países-membros às novas relações econômicas mundiais, caracterizadas pelo comércio liberal e pelas relações unimultipolares. Além disso, com o fim da guerra fria os blocos econômicos tornaram-se inevitáveis, pela necessidade de concertação política em um mundo multipolar e pela necessidade de fortalecimento econômico em um mundo capitalista. A criação de um bloco era indispensável para dar um choque da capitalismo nas economias e adaptá-las à nova realidade.

O processo de adaptação às novas relações econômicas mundiais deveria ser forte, mas não poderia gerar desigualdades e desequilíbrios entre os membros. Por isso, o Mercosul foi estabelecido sobre quatro preceitos fundamentais. Esses pilares foram a flexibilidade, a simetria do processo, o gradualismo e o equilíbrio dinâmico. A intenção do bloco era minimizar as assimetrias entre seus membros e propiciar um processo gradual e flexível de integração, que não gerasse malefícios a nenhum dos sócios. A intenção de incrementar a competitividade das produções nacionais não deveria repercutir negativamente sobre os demais sócios, sobretudo os sócios menores, como Paraguai e Uruguai. Para evitar isso, o processo seria implementado gradualmente.

Com o passar do tempo, o MERCOSUL adquiriu atribuições cada vez mais políticas, e não apenas econômicas. Em 1991, o Protocolo de Brasília modificou o Sistema de Solução de Controvérsias do bloco, que havia sido estabelecido no Protocolo de Assunção. Essa mudança deu maior estabilidade e institucionalidade ao processo de solução de controvérsias entre os membros no que se refere a problemas comerciais. Em 1992, foi assinado o Protocolo de Las Leñas sobre Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa propiciou a concertação política e jurídica nos países membros, que facilitou a solução de questões referentes a processos de homologação de sentenças estrangeiras entre os países membros. 

Em 1994, foi assinado o importantíssimo Protocolo de Ouro Preto. Esse protocolo não apenas que deu personalidade jurídica ao Bloco e o transformou em uma União Aduaneira, ao criar uma Tarifa Externa Comum para os países do bloco, como também deu início ao processo efetivo de legislação comercial e aduaneira dos países membros. Em 1996, dois Acordos de Complementação Econômica foram assinados, um com Chile e um com Bolívia, dando a eles o status de países associados e, ainda nesse ano, foi confeccionada a Cláusula Democrática que viria a se tornar, em 1998, o Protocolo de Ushuaya, que consubstancia o compromisso democrático como requisito para acesso ao bloco. Em 2002, foi assinado o Protocolo de Olivos, que instituiu um Tribunal Permanente de Revisão (TPR) no Mecanismo de Solução de Controvérsias do Bloco.

Observa-se que o bloco veio em um incremento no número dos inúmeros mecanismos de concertação política e de maior institucionalização. A partir de 2006, duas iniciativas relevantes foram adotadas pelo Mercosul a fim de trazer fortalecer ainda mais a estrutura autônoma do bloco e de enriquecer seu caráter social e simétrico: a criação de um Parlamento do bloco e de um Fundo de Convergência Estrutural (FOCEM). O Parlamento ficará responsável por confeccionar a agenda do bloco e por discutir questões orçamentárias e projetos legislativos, mas, sobretudo, ele será a representação do povo no bloco. O FOCEM é responsável por minimizar as assimetrias entre os países membros mediante liberação de verba para projetos.  Ambas as instituições são importantes, na medida em que constituem, juntamente com o TPR, mecanismos do bloco que atuam de maneira mais independente em relação aos países membros, o que dá maior institucionalidade ao bloco.

Apesar dos sucessos e avanços que o Mercosul presenciou nos últimos 20 anos, alguns problemas ainda permanecem. A denominação do bloco como União Aduaneira ainda gera confusões. O bloco não dispõe de uma Tarifa Externa Comum perfeita, em função, sobretudo, da bitributação e das listas de exceção que ainda existem. Isso faz com que o bloco seja, na realidade, uma União Aduaneira Imperfeita. Em 2010, na Cúpula de San Juan, os líderes assinaram o almejado Código Aduaneiro e concordaram sobre o fim completo das listas de exceção até 2019, mas ainda há que se esperar para ver se isso será realmente realizado.

O Parlamento traz consigo, igualmente, alguns desafios. A desproporcionalidade do número de parlamentares dos países membros foi objeto de inúmeras reuniões entre os países. Chegou-se, finalmente, a um acordo que estabelece que até 2014 serão 37  representantes pra o Brasil, 26 para a Argentina, e 18 para Paraguai e Uruguai, de acordo com o critério da proporcionalidade. A partir de 2015 o Brasil terá 75 representantes, a Argentina 46 e Paraguai e Uruguai permanecem com 18. Seu objetivo é, majoritariamente, trazer a representação do cidadão mercosulino para o âmbito político.

Após esses vinte anos, o Mercosul firmou parcerias com outros países e blocos, com o objetivo de incrementar o intercambio comercial. Foram assinados Acordos de Preferências Tarifárias com Índia e com a União da África Austral (SACU), esta última ainda não vigente, e Acordos de Livre Comércio com Israel e com Egito, este último ainda não vigente. A União Europeia, no entanto, ainda permanece um grande desafio para o Mercosul. As negociações para se chegar a um acordo de livre comércio entre os blocos foram iniciadas em 1995, momento em que a União Europeia se encontrava debilitada em função do chamado europessimismo. Apesar desse impulso inicial, as negociações esmoreceram com a chegada da crise do sudeste asiático à América Latina em 2001, o que levou a uma crise no Mercosul, sobretudo em função de medidas protecionistas. As negociações foram engavetadas em 2004 e apenas em 2007 foram retomadas; no entanto, com a crise de 2008, os mercados europeus entraram em uma onda protecionista e novamente as negociações esmoreceram. Recentemente o anúncio europeu sobre a retirada do Brasil e dos países do Mercosul das listas de preferências tarifárias demonstra que a situação ainda não é totalmente favorável a um acordo.

Desafios à parte, o Mercosul é um importante mecanismo de concertação política e de adaptação econômica. Os países membros têm uma corrente de comércio incrível e suas produções foram beneficiadas com o estímulo trazido pelo bloco. Apesar de algumas assimetrias e de algumas medidas protecionistas que ainda são implementadas por alguns membros, o bloco trouxe fortalecimento das relações políticas e econômicas entre os membros, além de contar com projetos que estimulam o desenvolvimento social nos países. O caminho ainda é longo, mas esses vinte anos de bloco são, certamente, caracterizados por muitos sucessos. 

Um comentário:

  1. Parabéns pelo blog!
    Acabei de encontrá-lo e ainda não olhei tudo, mas em uma visão geral estou gostando muito, já adicionei aos meus favoritos!

    (Gostei especialmente do barulho do "sininho de vento")

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